Em entrevistas e reportagens divulgadas, pelo Jornal Correio Braziliense (veja aqui), canal do Poder360 (veja aqui) e jornal Folha de São Paulo (veja aqui), o presidente do INSS, Renato Vieira, insiste em propagandear mentiras sobre as reais condições do Instituto. Ao expor a implementação das plataformas digitais e dados quantitativos de acesso, o presidente mascara a realidade, não levando em consideração o perfil dos(as) trabalhadores(as) que buscam os benefícios da previdência social.
De acordo com dados do Boletim Estatístico de Previdência Social – BEPS de outubro/2019 (veja aqui), das pessoas que tiveram acesso a algum benefício da Previdência Social, 82,8% receberam benefícios com o valor de até dois salários mínimos, sendo 43,5% do total de benefícios concedidos no valor de apenas um salário mínimo. Na região nordeste do país, com índice elevado de pobreza, no mesmo mês, da totalidade de benefícios emitidos, 83% foram no valor de um salário mínimo, dados que caracterizam uma população com prováveis barreiras para acesso as novas tecnologias, que não tem acesso à internet, ou seja, sem possibilidades concretas de requerer um benefício pela via digital.
Em nota divulgada pela FENASPS e publicada no correio braziliense (veja aqui), já em resposta as inverdades do presidente do INSS, a Federação revela informações ocultadas pelo gestor do instituto:
“[…] foi implantando um sistema de concessão de benefícios pela via digital, deixando, abandonados à própria sorte, milhões de segurados(as) que não têm acesso à internet no país. Segundo o IBGE, essa parcela representa em torno de 35% da população, ou mais de 60 milhões de pessoas, criando um mercado paralelo de exploração desses(as) cidadãos(ãs) desprovidos de renda, enfrentando atravessadores e outras categorias de profissionais que enriquecem às custas dos(as) pobres. É terrivelmente cruel que essas pessoas paguem por um serviço público que a Constituição de 1988 definiu ser gratuito e concedido pelo Estado.”
Diante dessas características da população, é preciso que a sociedade tenha conhecimento do que de fato ocorre nas Agências de Previdência Social, os dados divulgados nas entrevistas pelo atual presidente, referente ao mês de outubro de 2019, são de que foram realizados “442,1 mil requerimentos pelo site, 287,9 mil por telefone e 82,4 mil presenciais.” Contudo, na entrevista o mesmo não relata que os(as) trabalhadores(as) que buscam o atendimento presencial são orientados a buscar os canais remotos mesmo que não tenham condições concretas de acessá-las. Ou seja, na realidade as pessoas acabam buscando intermediários e pagando por um serviço que deveria ser gratuito.
Importante sinalizar, que de acordo com o Decreto n. 8.539/2015, o propósito do uso do meio eletrônico para a realização do processo administrativo no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal, que trata do tema, dispõe:
“Art. 3º. São objetivos deste Decreto: I – assegurar a eficiência, a eficácia e a efetividade da ação governamental e promover a adequação entre meios, ações, impactos e resultados; II – promover a utilização de meios eletrônicos para a realização dos processos administrativos com segurança, transparência e economicidade; […] IV – facilitar o acesso do cidadão às instâncias administrativas. […] Art. 5º. Nos processos administrativos eletrônicos, os atos processuais deverão ser realizados em meio eletrônico, exceto nas situações em que este procedimento for inviável ou em caso de indisponibilidade do meio eletrônico cujo prolongamento cause dano relevante à celeridade do processo”.
Fica expresso, diante da realidade brasileira, que no INSS, os objetivos do Decreto não foram atendidos, fator enfatizado no Inquérito Civil do MPF nº 1.16.000.000126/2017-15 (veja aqui):
“[…] dado o inquestionável fracasso do INSS na prestação de serviço eficaz e efetivo a partir da adoção desse nova tecnologia. Além de dificultar o acesso de grande parte da população que acorre à autarquia – já que o INSS Digital é de difícil manejo até mesmo para experimentados –, e torná-la, por consequência, dependente de terceiros, o sistema digital não possui inteligência para analisar as informações recebidas e decidir sobre elas. O silêncio da União diante das constatações dos órgãos de controle e dos reclamos da própria autarquia previdenciária fazem crer numa deliberada vontade de desmantelá-la ao arrepio da probidade administrativa. A situação descrita motivou a Defensoria Pública da União no Distrito Federal a ajuizar Ação Civil Pública no ano de 2018 em desfavor do INSS para obter tutela jurisdicional destinada a sanar dificuldades no atendimento realizado pelo INSS. Argumentou a Defensoria que a limitação ao atendimento presencial e direto aos beneficiários dificulta ou impede o acesso à autarquia para todas as pessoas que não possuem conhecimento em tecnologia, que têm dificuldades para acessar a plataforma digital e que sequer têm acesso ao meio digital.”
Em matéria divulgada pela Folha de São Paulo, ao reproduzirem a fala do pesidente do INSS, Renato Vieira, ao citar sobre seu conhecimento da existência de parcela da população que não tem acesso aos meios digitais, relata que a gestão do INSS não é “insensível a isso”, como se o direito da população de acessar um benefício previdenciário, após anos de trabalho e contribuição, fosse uma questão de sensibilidade e não um direito garantido na Constituição brasileira. Deixa claro, que para essa parcela da população a opção é utilizar o canal de atendimento via telefone, o 135. Sabe-se, que esse canal de atendimento possui enormes limitações, funciona com trabalhadores(as) terceirizados, sem conhecimento detalhado dos critérios de acesso a política de previdência, ficando evidente a restrição ao atendimento presencial nas Agências de Previdência Social.
Ainda, nas informações declaradas pelo presidente, é que houve aumento da produtividade dos(as) servidores(as) do INSS, mesmo com cerca de 6.000 aposentadorias no presente ano. Os fatos reais, é que a gestão do INSS tem implantado metas por produtividade, precarizado e intensificado o trabalho dos(as) servidores(as), gerando assim, maiores possibilidades de erros e aumento significativo de indeferimentos de benefícios, dados que podem ser constatados no BEPS (Boletim Estatístico da Previdência Social) de outubro/2019, ao comparar os dados do último quadrimestre (julho/agosto/setembro/outubro) com o quadrimestre anterior (março/abril/maio/junho), houve aumento de 20% de indeferimentos. Um dos fatores prováveis para esse aumento, é que todos os procedimentos de análise, inclusive as solicitações de complementação de documentos são realizados pelos meios digitais, muitas vezes, o(a) segurado(a) por falta de acesso à internet não tem conhecimento da necessidade de inclusão de documentos, com o término do prazo, seu benefício é indeferido. Ainda, houve a “corrida” pelas aposentadorias, gerada pela proposta de contrarreforma da previdência em curso no período, outro fator que pode ter contribuído.
Destaca-se, que no requerimento presencial, disponível antes da “transformação digital” implementada no INSS, possibilitava que muitos segurados já tivessem o conhecimento no momento do atendimento da possível necessidade de complementação de documentos, saindo do INSS já em posse da carta de exigência, em muitos atendimentos, inclusive, com a carta de decisão do seu benefício. Na lógica do requerimento digital, em muitas localidades, os (as) trabalhadores (as) aguardam cerca de 06 meses para a análise de seu direito.
Ademais, com a Lei nº 13.846/2019, foi estabelecido um bônus aos servidores(as) por processos analisados fora da carga horária de trabalho ou após atingimento da meta mínima, outro fator que corrobora com os dados exposto acima. Ora, é impossível diante da complexidade da análise dos processos de benefícios, que um (a) servidor (a) tenha a mesma concentração para análise dos benefícios após jornadas extenuantes de trabalho e pressões por produtividade.
No ofício SEI nº 10/2019/SRIII/PRES-INSS, resposta ao ofício do SINDPREVS/PR, da Superintência Regional Sul do INSS, terceira maior demanda de benefícios emitidos no mês de outubro/2019 do instituto, apresenta os reais tempos médios de espera para análise dos benefícios, sendo eles:
- Benefício de Prestação Continuada – BPC, para pessoa com deficiência: 274 dias;
- Aposentadoria por tempo de contribuição para pessoa com deficiência: 173 dias;
- Aposentadoria por idade rural: 142 dias;
- Benefício de Prestação Continuada – BPC: 136 dias;
- Aposentadoria para pessoa com deficiência por idade: 133 dias;
- Aposentadoria por tempo de Contribuição: 124 dias;
- Salário Maternidade Rural: 69 dias;
- Aposentadoria por idade urbana: 65 dias;
- Pensão por morte urbana: 60 dias;
- Pensão por morte rural: 59 dias;
- Salário maternidade urbana: 8 dias.
Ressalta-se, que segundo a autarquia, a região sul foi a que apresentou melhor desempenho na conclusão de benefícios nos últimos meses, mesmo assim, os dados acima demonstram demora relevante na análise dos processos, principalmente nos benefícios para pessoas com deficiência em situação de extrema vulnerabilidade, no caso o BPC a aposentadoria para pessoa com deficiência, bem como, a população rural.
A FENASPS esclarece que não é contra a implantação das novas tecnologias no INSS, mas sim, é contra a forma que a gestão do INSS tem implantado os canais de atendimento digital, gerando: a) a restrição do atendimento presencial; b) ampliação do assédio moral aos servidores(as); c) estabelecimento de metas por produtividade, sem considerar a análise dos processos com qualidade.
Renato Vieira, insiste em dizer nas mídias, que o órgão não necessita de concurso público, falseando as reais condições do instituto, impondo a restrição do atendimento a uma parcela considerável da população, que não tem acesso aos meios digitais. As novas tecnologias, podem ser acessadas por uma parcela pequena da população que busca o INSS, mas não substituíra o atendimento humano, sendo necessário a urgente recomposição da força de trabalho.
O fato é que com a não realização de concurso para recompor a força de trabalho do INSS, houve a implementação compulsória dos serviços pelos canais digitais para impor aos servidores(as) a intensificação do trabalho. O INSS digital, diferente do que é apregoado pela propaganda oficial do Governo, está longe de ser uma melhoria ou modernização dos serviços do INSS. Foi a forma que o órgão encontrou para explorar ao máximo os (as) servidores (as) que continuam no órgão. Se hoje, o presidente do INSS prega aos quatro ventos que o órgão aumentou a produtividade, essa se dá através da pressão constante das metas sobre os (as) servidores (as) e do adoecimento de parte significativa da categoria.
Um dos exemplos utilizados pelo Presidente na entrevista foi relacionado ao processo de digitalização dos serviços bancários. Porém, o que o presidente não falou é que os (as) trabalhadores (as) dos bancos são uma categoria que sofre altíssimos níveis de estresse, acarretando elevados índices de adoecimento mental, suicídio e LER/DORT. Enquanto o lucro dos bancos batem recorde ano após ano. Além disso, nos bancos houve um processo intensivo de terceirização através das lotéricas e dos correspondentes bancários. Isso sem contar o rebaixamento das carreiras e dos salários dos bancários ao longo dos anos. Os dados do INSS sobre o adoecimento dos bancários, divulgados pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal – FENAE (veja aqui), comprovam essa realidade:
“O número de bancários afastados por doenças cresceu substancialmente entre 2009 e 2017, segundo dados do INSS obtidos pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. O total de trabalhadores que tiveram benefícios acidentário ou previdenciário foi de 13.297 em 2009. Oito anos depois, 17.310 tiveram de se afastar do trabalho por conta de enfermidades. Aumento de 30%. Mais de 50% dos casos referem-se a transtornos mentais (aumento de 61,5%) e enfermidades relacionadas a lesões por esforço repetitivo (crescimento de 13%).”
Com um quadro menor de trabalhadores (as), parte do trabalho é repassado diretamente para os segurados que serão responsáveis pelos requerimentos ou terão que pagar prestadores de serviço para tal, sendo a segunda situação, grande parcela dos dados de requerimentos realizados pelos site “MEU INSS”, divulgadas pelo presidente. A realidade é que a grande parte da população que busca um benefício, tem limitações inclusive para se cadastrar nesse aplicativo. Ou seja, parte do trabalho de realizar o requerimento e orientar o segurado sobre o seu direito, que era feito por um servidor de carreira, passa agora ser uma atribuição do próprio requerente, que muitas vezes terá que pagar por esse serviço. O INSS repassa, portanto, para os segurados parcela significativa dos seus custos de infraestrutura, como acesso à internet, impressão de documentos, computadores e até mesmo da estrutura física das agências. Quando o INSS, obriga os segurados a usarem os canais digitais, na prática esse segurado está financiando parte do serviço que teria direito no atendimento presencial.
Ainda, na entrevista divulgada pela Folha de São Paulo, Renato Vieira, informa que em 2020, não descarta o fechamento de agências consideradas “ineficientes”, contudo, não descreve o que considera como “ineficientes”. Sabe-se que a autarquia passou por um processo de expansão das agências em anos anteriores, inclusive com altos investimentos públicos em construção de novas agências, porém sem reposição da força de trabalho no INSS, muitas unidades atualmente enfrenta dificuldades por falta de servidores(as). Se for esse o conceito de “ineficiência” do atual presidente do INSS, é uma contradição dizer que o instituto não necessita de concurso público.
Na verdade, a dita “ineficiência” citada pelo Presidente do INSS é uma ineficiência programada pelo próprio órgão para justificar o desmantelamento da rede de atendimento. Muitas unidades foram deliberadamente precarizadas em relação à sua infraestrutura e com a retirada de serviços para assim forçar uma redução de demanda e justificar o seu fechamento. Em algumas cidades que contam(vam) com apenas uma Agência, o INSS executou uma política de passar para as prefeituras os custos para infraestrutura de funcionamento das unidades, através de Acordos de Cooperação Técnica. O INSS está levando ao pé da letra o lema de “precarizar para fechar” e posteriormente terceirizar o atendimento do Instituto.
Na realidade, a gestão do INSS, tem restringido o acesso da população ao atendimento presencial, com o intuito de fechar as unidades, com previsão de reduzir também 50% das gerências executivas do órgão no próximo ano, já iniciando a reforma administrativa anunciada pelo governo.
A reforma administrativa será o próximo ataque do governo contra a parcela da classe trabalhadora empregada no Estado. O que vem acontecendo no INSS é um grande laboratório para a implementação do desmonte geral dos serviços públicos, rebaixamento dos salários e o fim da estabilidade. Para enfrentar este quadro, é necessário retomar os esforços de construção de uma ampla greve de federais em defesa dos serviços públicos e das condições de trabalho.
A FENASPS orienta aos sindicatos estaduais que realizem reuniões nos locais de trabalho para debater o desmonte do INSS e dos serviços público, bem como, a precarização do trabalho no âmbito das unidades do INSS. Conforme aprovado na última plenária, deverão ser realizados atos de rua nas APS no dia do aposentado em 24 de janeiro, denunciando os ataques da reforma da previdência e o desmonte do INSS.
A FENASPS e seus sindicatos filiados reafirmam que continuará na luta pela realização de concurso público, por melhores condições de trabalho para os(as) servidores(as) e pela defesa intransigente do acesso a população aos direitos das políticas da Seguridade Social.
Confira aqui o relatório da última Planária Nacional da FENASPS, realizada em 15/12/2019.
Fonte: Fenasps.