Projeto de Lei que cria o SINP estabelece um arremedo de negociação coletiva e ameaça os direitos assegurados na legislação, ao determinar que o negociado prevaleça sobre o legislado!
O PL 229/07 e o seu substitutivo, PL 966/07 tramitam em caráter conclusivo!
A Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou no dia 10/07/2013 a proposta que regulamenta a negociação coletiva de trabalho no setor público.
Trata-se do Projeto de Lei (PL 966/07) do deputado do PT, Maurício Rands, que foi apensado como substitutivo ao PL 229/07, do ex-deputado Chico D’Angelo.
Vale lembrar que o Projeto de Lei nº 229/07, reproduz o conteúdo do Projeto de Lei nº 6.126, de 2005, proposto pelo deputado Roberto Gouveia e pela então deputada Dra. Clair.
O referido projeto tramita como “Proposição Sujeita à Apreciação Conclusiva pelas Comissões em caráter conclusivo”, ou seja, não necessita ir a plenário, basta ser aprovado pelas comissões.
Desde o dia 12/08/13 ele está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e no dia 21/08/2013 encerrou-se o prazo para apresentação de emendas, sem que nenhuma emenda tenha sido apresentada.
Conclui-se, portanto, que o mesmo pode ser aprovado a qualquer momento.
Arremedo de Negociação Coletiva e Cassação de Direitos Conquistados com muita luta!
Convênios ou Acordo Coletivo de Trabalho? O que fazer diante do impasse nas negociações?
O PL 966/07 regulamenta a negociação coletiva de trabalho no setor público, uma reivindicação antiga do funcionalismo público. Mas, o faz de uma forma que deixa a desejar! Na prática, trata-se de um arremedo de negociação coletiva.
O art. 1º do PL 966/07 afirma: “Esta Lei estabelece as diretrizes básicas que regularão as relações entre a Administração Pública e as entidades sindicais representativas dos servidores públicos, visando a celebração de convênios específicos que tratem das suas regras de interlocução”.
Por que “convênios específicos”? O que é um “convênio”? O resultado de uma negociação coletiva não deve ser acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva?
Vejamos o que significa cada um destes instrumentos!
Convênio é um acordo firmado para concretização de objetivos de interesse comum entre as partes. Ou seja, nele os interesses entre as partes são comuns e coincidentes.
Pergunta-se: nas negociações salariais, por exemplo, os interesses dos governantes são os mesmos dos trabalhadores e trabalhadoras da Administração Pública?
Juridicamente falando o convênio depende da vontade de cada uma das partes e não é vinculante, ou seja, não constitui obrigação legal.
Mas, o relator, deputado Policarpo afirma no seu relatório, que “as denominadas Mesas de Negociação Permanente” são “instâncias deliberativas do SINP” e que “as decisões emanadas do SINP” serão “formalizadas mediante Protocolos da Mesa de Negociação Permanente” e que estes protocolos constituirão para as partes envolvidas “reconhecimento de direitos e obrigações, suscetível de competente ação judicial em caso de descumprimento, visando à eficácia jurídica e à efetividade das decisões”.
Ou seja, o sindicato pode recorrer à Justiça para que o protocolo seja cumprido, mas não pode ajuizar ação de Dissídio Coletivo, na Justiça do Trabalho, caso não se chegue a acordo na negociação.
Acordo coletivo de trabalho é um ato jurídico celebrado entre uma entidade sindical e uma ou mais empresas, com cláusulas de natureza econômica, trabalhista e social, que valem para ambas as partes.
A diferença entre o Acordo Coletivo de Trabalho e a Convenção Coletiva é que esta é feita entre sindicatos (sindicato de trabalhadores e sindicato patronal) e vale para toda a categoria representada, enquanto “os efeitos de um acordo se limitam apenas às empresas acordantes e seus empregados respectivos”.
No Acordo Coletivo e na Convenção Coletiva “não é permitida a supressão de direitos garantidos na legislação”.
A Negociação Coletiva e a Administração Pública
Sempre é bom lembrar que até a Constituição de 1988 os servidores e servidoras públicas não tinham direito sequer à sindicalização!
Com o avanço da organização e da luta, conquistou-se com a Constituição de 1988, o direito à sindicalização (art. 37, inciso VI) e à negociação coletiva (art. 7o, incisos VI, XIII, XIV, XXVI; art. 8o, inciso VI; e art. 114, §§ 1o e 2o), bem como o direito de greve (art. 9º).
Mas, no momento da regulamentação o que se vê nesses projetos dos parlamentares petistas é o retrocesso até mesmo em relação à Constituição Federal e à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O que se vê é o Estado Autoritário que ignora os conflitos de interesses entre os/as servidores/servidoras e a Administração Pública. São governantes instituindo mesas de enrolação e cooptação; negando o direito à negociação coletiva; cerceando através da Justiça, do assédio moral e até mesmo da polícia, o direito de greve.
É que para o deleite de governantes ilegítimos, parte da doutrina ainda afirma que é impossível juridicamente a realização de acordos coletivos de trabalho entre servidores públicos e o Estado, porque no entendimento de muitos a Administração Pública está sujeita aos Princípios da Legalidade e da Reserva Legal, e deste modo, “não dispõe do mínimo poder decisório nas questões que regulam a relação laboral com seus servidores, pois está subordinada às disposições legais e à reserva de competência”.
E mais, que “o Estado age em nome do interesse público e, portanto, não pode dispor dos interesses que representa” e ademais, “o Estado não dispõe dos mecanismos necessários ao cumprimento das cláusulas que têm repercussões financeiras, tendo em vista a vinculação da receita às diretrizes previamente estabelecidas no orçamento”.
O STF, antes da adesão do Brasil às Convenções 151 e 159, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, assim decidiu:
“Servidores públicos estatutários: direito à negociação coletiva e à ação coletiva frente à Justiça do Trabalho: inconstitucionalidade. Lei 8.112/1990, art. 240, alíneas d e e.” (ADI 492, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 21-10-1992, Plenário, DJ de 12-3-1993.) Sumula 679: Servidor público. Convenção coletiva. Salário. A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva. (DJ, 24.09.03).
OJ SDC N. 5 – DISSÍDIO COLETIVO CONTRA PESSOA JÚRIDICA DE DIREITO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA.
Aos servidores públicos não foi assegurado o direito ao reconhecimento de acordos e convenções coletivos de trabalho, pelo que, por conseguinte, também não lhes é facultada a via do dissídio coletivo, à falta de previsão legal.
Vale lembrar que o Congresso Nacional aprovou a Convenção no 151 e a Recomendação no 159 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre as Relações de Trabalho na Administração Pública, através do Decreto Legislativo no 206, de 7 de abril de 2010. E que “o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação referente à Convenção no 151 e à Recomendação no 159 junto ao Diretor-Geral da OIT, na qualidade de depositário do ato, em 15 de junho de 2010” e que a presidenta promulgou a Convenção no 151 e a Recomendação no 159 da Organização Internacional do Trabalho sobre as Relações de Trabalho na Administração Pública, firmadas em 1978, no dia 06 de março de 2013.
Em sessão do Tribunal Pleno do TST, realizada em 14.09.2012, foi dada nova redação à Orientação Jurisprudencial (OJ n. 5 da SDC) que passou a ter a seguinte disposição:
OJ SDC N. 5 – DISSÍDIO COLETIVO. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. POSSIBILIDADE JURÍDCA. CLÁUSULA DE NATUREZA SOCIAL.
Em face de pessoa jurídica de direito público que mantenha empregados, cabe dissídio coletivo exclusivamente para apreciação de cláusulas de natureza social. Inteligência da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Decreto Legislativo nº 206/2010.
Deste modo, o TST entende que “é possível a instauração da via do dissídio coletivo como solução de conflito entre as partes, desde que limitada à apreciação de cláusulas de natureza social”. E, ao admitir o ajuizamento do dissídio coletivo, reconhece o direito à negociação coletiva, e, por conseguinte, acordos ou convenções coletivas, em conformidade com a Convenção nº 151 da OIT. Mas, limitadas às cláusulas sociais.
Este entendimento já vinha se firmando na jurisprudência, desde que excluídas as cláusulas da natureza econômica.
Vale lembrar ainda que aos servidores e servidoras públicas com vínculo estatutário, os/as quais não estão no âmbito de competência da Justiça do Trabalho, mas da Justiça Comum, também, há jurisprudência no TST que admite o dissídio coletivo, desde que restrito às cláusulas sociais.
O PL 229/07 e o seu substitutivo (PL 966/07) abrem a porta para cassação/flexibilização de direitos?
O substitutivo insere no artigo 3º do Projeto de Lei nº 229, 2007, os princípios da norma mais favorável e da condição mais benéfica aos servidores públicos, com o argumento de que sem esta cláusula “os servidores poderão ser prejudicados, por exemplo, com a imposição do interesse público sobre o seu patrimônio jurídico, gerando a possibilidade de redução dos seus direitos”. Que estes princípios evitam que brechas nos acordos reduzam os direitos ou possam ser objeto de interpretações restritivas.
Isto, obviamente, sem uma análise mais aprofundada soa à primeira vista como algo positivo e muito bom. Mas, na prática, os seus efeitos serão contrários e os prejuízos para os servidores e servidoras incalculáveis.
A discussão sobre os princípios da norma mais favorável e da condição mais benéfica não é nova. E já nos deparamos com ela algumas vezes no Governo FHC e agora no Governo Dilma.
E reafirmamos: não se deve em nome da possível “interpretação restritiva” abrir mão de toda a legislação que como sabemos, assegura os direitos básicos, dos quais não devemos abrir mão. E é isso que ocorrerá se for aprovado o princípio da norma mais favorável e da condição mais benéfica.
Com o argumento de beneficiar os servidores e servidoras com a norma mais benéfica e a condição mais favorável, querem flexibilizar a legislação (isto é, querem que se abra mão da lei para se ficar à mercê de cada processo de negociação).
Como sabemos, os direitos que estão garantidos na lei são o mínimo que patrões e governos devem cumprir. Ou seja, eles podem oferecer mais do que o que está na lei, nunca menos. E é por isso que não devemos aceitar que o negociado prevaleça sobre o legislado.
Só para que se tenha idéia do tamanho da armadilha, reflita sobre as seguintes questões:
1. Quem vai definir qual a norma mais favorável e a condição mais benéfica?
2. O que é mais benéfico e favorável para o patrão é para o empregado?
3. O que é mais benéfico no entendimento da direção é, também, no entendimento da base?
4. Ao final quem vai julgar o que é mais benéfico e mais favorável?
Um exemplo!
O que é mais favorável e benéfico, perder o emprego ou abrir mão de direitos fundamentais, como reajuste salarial, férias, jornada de trabalho, dentre outros?
Certamente, a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras, diante da ameaça patronal do desemprego, optará pelo emprego e ficará sem os direitos mais elementares e sem ter para quem recorrer; pois aceitou a regra do jogo, abriu mão do mínimo assegurado em lei e admitiu que o negociado prevaleça sobre o legislado.
Portanto, se abrirmos mão da lei em nome do acordado/negociado com os governos/patrões sabemos de antemão o que vai acontecer!
Isso é tudo que os patrões e os governos querem há vários anos: acabar com o artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que impede que o negociado prevaleça sobre o legislado.
A CUT lutou contra a derrubada deste artigo no governo FHC, mas agora apóia o Acordo Coletivo Especial (ACE) apresentado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC para alegria dos patrões. Este acordo tem o mesmo princípio do SINP: que o negociado prevaleça sobre o legislado.
Outras Cláusulas constantes do PL 966/07
1. “Qualquer negociação sobre remuneração dos servidores deverá ser finalizada até dia 31 de agosto de cada ano”, de modo que “o acordo faça parte da proposta orçamentária do ano posterior”.
2. “A regulamentação das mesas de negociação deverá orientar-se, no que for cabível, pela Consolidação das Leis do Trabalho.”
3. Os convênios de que trata esta lei serão denominados Sistema de Negociação Permanente (SINP), o qual se submete aos princípios da legalidade, finalidade, interesse público, eficiência, moralidade, publicidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, liberdade sindical, norma mais favorável e condição mais benéfica ao servidor público, e democracia participativa.
4. A Mesa de Negociação Permanente é o “processo sistemático e regrado de reuniões, instalado e conduzido, em seu âmbito de competência, com a finalidade de analisar e dar tratamento aos conflitos coletivos e às demandas administrativas pertinentes às relações funcionais e de trabalho” e é a instância deliberativa do SINP.
5. De acordo com o art. 10, do PL 966/07, “quando convocados, os órgãos da Administração Pública e as entidades sindicais representativas do setor, não poderão se negar a entabular tratativas visando à celebração de convênio para instituição do Sistema de Negociação Permanente (SINP), e para os fins previstos no Art. 37, X, da Constituição Federal (revisão geral anual da remuneração ou subsídio dos servidores), sob pena de responderem por seus atos nos termos previstos no art. 10 (ato atentatório aos princípios da Administração Pública) e no artigo 13 e seu parágrafo único (atos de discriminação anti-sindical).
6. Ainda de acordo com o art. 10, “ocorrendo impasse quanto aos termos de convênio para instalação do SINP, poderão as partes recorrer à mediação de instituição ou órgão técnico legalmente reconhecido que detenha atribuições necessárias para dirimir o conflito, escolhidas de comum acordo, ou ainda recorrer ao Poder Judiciário com essa finalidade”.
Vale ressaltar ainda que, conforme o art. 12, “a negativa por parte das entidades sindicais em negociar a celebração de convênio para instituição do SINP, autoriza o Administrador Público, após regular notificação à Direção da(s) Entidade(s) a entabular outras formas de tratamento dos conflitos do trabalho, segundo as conveniências e os interesses maiores da Administração Pública”.
Que outras formas são essas? Quer dizer que se o sindicato entender que não é o momento de negociar, os governos/patrões poderão, por exemplo, negociar diretamente com os trabalhadores e trabalhadoras, à revelia do sindicato?
A luta pelo direito pleno e efetivo de negociação coletiva no serviço público continua e está em um momento crucial!
Os servidores e servidoras públicas têm lutado muito pelo direito à negociação coletiva.
O projeto dos deputados do PT retrocedem em relação à Constituição de 88, que assegura o direito à negociação coletiva e até mesmo em relação à jurisprudência dos tribunais.
É importante a existência de um Sistema Nacional de Negociação Permanente, de Mesas de Negociação, mas não podemos fechar os olhos ao fato de que os PL´s 229/07 e 966/07 são, na prática, uma tentativa de driblar o real direito à livre negociação coletiva para os servidores e servidoras públicas.
E que, portanto, devemos lutar pelo direito pleno e efetivo de negociação coletiva dos servidores e servidoras públicas e contra a tentativa de retirar da Consolidação das Leis do Trabalho o art. 618 que impede que o negociado prevaleça sobre o legislado.
Se a existência deste artigo na CLT favorece aos trabalhadores e trabalhadoras do setor privado, por que vamos abrir mão dele no setor público, aprovando os sedutores princípios da “norma mais favorável e da condição mais benéfica”?
Se forem mantidos estes princípios inseridos no PL 966/07, nas negociações coletivas com os governos/patrões os trabalhadores e trabalhadoras do setor público não terão assegurados nem os direitos mínimos garantidos em lei.
Esses princípios são muito sedutores, também, porque os direitos assegurados na lei são mínimos e nunca se espera que os patrões possam rebaixá-los, até porque a lei não permite.
E mais, esquecemos que os patrões e governos podem oferecer e garantir o que está acima da lei. E para tanto não é preciso que se abra mão da lei, estabelecendo-se que o negociado prevaleça sobre o legislado.
A luta pela garantia de direitos mínimos na legislação é histórica, conquistada com muita luta, sangue, suor, lágrima e alegria e é uma segurança para os trabalhadores e trabalhadoras, inclusive, para aqueles/aquelas que estão totalmente à mercê dos governos e patrões, sem organização sindical ou com direções pelegas.
Entendo, portanto, que o movimento sindical, em especial as entidades de servidores e servidoras públicas devem lutar:
1. Para que o negociado não prevaleça sobre o legislado, ou seja, contra a inclusão dos princípios da “norma mais favorável e da condição mais benéfica”;
2. Pelo efetivo direito de Negociação Coletiva, com definição de data-base e direito das entidades ajuizarem Dissídios Coletivos na Justiça, em caso de impasse, em relação a todas as cláusulas trabalhistas e sociais, inclusive, as econômicas;
Devem explicitar que não vacilarão e romperão com as Mesas, se elas não passarem de mesas de enrolação, pois do contrário as direções passarão a ser vistas com desconfiança pelas bases ou até mesmo a serem taxadas de pelegas.
Finalmente, entendo que se deve denunciar que a proposta aprovada na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados se restringe à obrigação de “fazer negociação e tentar fazer acordos parciais”, pois além de não assegurar o direito das entidades sindicais de ajuizarem Dissídios Coletivos, em caso de impasse, não define data-base como data limite para negociação, deixando os governos de mãos livres para enrolarem à vontade nas ditas Mesas de Negociação.
Vitória/ES, 12 de setembro de 2013
Lujan Maria Bacelar de Miranda
(Assessora do Sindsaudeprev-ES e membro da Executiva Nacional da Ação Popular Socialista – APS)