Com suspensão de concursos públicos, burocracia brasileira enfrenta grande carência de mão de obra, que pode se agravar
Brasília – É comum a máxima entre os servidores públicos de que não são os funcionários concursados os responsáveis pela máquina inchada do Estado. Os cargos são criados por lei, com critérios específicos, e a ocupação se dá a partir de rigorosa seleção em concursos públicos. Nas pautas de todas as categorias — da base ou da elite —, a reivindicação histórica é de aumento do quadro de pessoal. O déficit pode passar de 44 mil servidores.
No entanto, diante da necessidade de ajuste das contas públicas, o governo, desde 2015, suspendeu os concursos públicos para os três poderes. O preenchimento de mais de 40 mil vagas foi interrompido. Mais que isso, várias outras medidas certamente contribuirão para a baixa dos Recursos Humanos, como o fim do abono permanência e a aprovação da Proposto de Emenda à Constituição (PEC) nº 241, que estabelece teto para os gastos públicos.
Levantamento feito pelo Gran Cursos Online aponta que áreas importantes enfrentam falta de pessoal superior a 44 mil vagas. Só no Banco Central, de acordo com os dados, a carência é de 2.283 pessoas. Na Câmara dos Deputados, falta preencher 417 funções. No Senado, a lacuna chega a 1.090. Na Polícia Federal, 6 mil. Na Polícia Rodoviária Federal, são 3 mil a menos. Na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), faltam 1 mil pessoas. Nos Correios, 20 mil. Na Polícia Militar do Distrito Federal, 2 mil. Na Secretária de Educação do Distrito Federal, 7.911 servidores. E na Câmara Legislativa do Distrito Federal, 389, para citar alguns casos.
Para os servidores, esses buracos na administração vão provocar caos. Analistas do mercado financeiro ouvidos pelo Estado de Minas discordam. Eles afirmam que a situação pode não ser de todo ruim. Pelos cálculos desses analistas, entre as medidas de restrição à contratação, a PEC do Teto dos Gastos, que admite apenas a expansão de mão de obra em áreas prioritárias, como educação, saúde e segurança, é importante porque insere uma espécie de punição a quem desobedecer as regras. Nenhum órgão poderá aumentar salário ou fazer concurso se suas contas não fecharem.
Ainda com o objetivo de apertar o cinto, os vencimentos deverão ser reajustados com base na inflação do ano anterior, sem ganho real. O fim do abono permanência (quando não é feito o desconto para a Previdência dos que continuam na ativa depois da aposentadoria), por outro lado, vai ampliar a entrada de recursos no caixa do Tesouro. A combinação desses fatores deverá reduzir o quadro de pessoal em 53,4%. Embora seja tudo que o servidor não quer ouvir falar, é uma previsão que ameaça se concretizar.
Para chegar a esse resultado, os especialistas levaram em conta informações do Ministério do Planejamento de que, até 2020, quase 232 mil trabalhadores estarão em condições de se aposentar. Outros 105 mil, que recebem abono de permanência deixarão de trabalhar. Abatendo esses dois itens dos cerca de 632 mil servidores ativos atuais, vão sobrar apenas 294 mil para atendimento à população brasileira.
Economistas, como Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, consideram que o ajuste proposto é bom, “mas é lento e pouco rígido”. Ele defende que, quando se trata de serviço público, “as palavras de ordem sejam disciplina e produtividade”. Quem não cumprir com o dever, deve ser dispensado. O processo de demissão de servidores, complementa Freitas, precisa ser simplificado, para não obrigar os cofres públicos a bancar por anos pessoas improdutivas. Feitas as correções no quadro, com a escolha dos que merecem o cargo, ele garante que se, em 2020, eventualmente, o Brasil contar com 294 mil servidores, ou menos, tudo vai funcionar perfeitamente dentro do país.
REMÉDIO. O especialista em contas públicas José Matias-Pereira, da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o rigor tem que ter limites. “O remédio não é para matar o paciente por falta de oxigênio. O ajuste fiscal tem que apontar os parâmetros, mas eles não podem ser dogmas”, alerta. Segundo ele, os concursos para repor aposentadorias nas carreiras de Estado não vão desaparecer totalmente. Senão, o país para. Matias-Pereira salienta que o presidente Michel Temer tem que apontar, primeiro, onde falta e onde sobra servidor, para não cometer injustiças.
Como antes
O número de funcionários públicos no Brasil é o mesmo de 1995, quando a população brasileira era de 165 milhões e havia 1,1 milhão de servidores em serviço. Hoje, o país tem 208 milhões de habitantes e o número total de ativos, aposentados e pensionistas do setor público se mantém em 1,1 milhão. Estudos do Gran Cursos apontam que, há muito tempo, as seleções não acompanham o crescimento da população. Em 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso reduziu 200 mil cargos dos 1,1 milhão, com privatizações e demissões, além do movimento natural de aposentadorias e mortes. O quadro caiu para 900 mil servidores. Em 2010, com Lula, o Brasil retornou a 1,1 milhão de servidores, mas a população deu um pulo para 190 milhões. Em 2014, com Dilma Rousseff e 202 milhões de pessoas, o número de servidores no país era o mesmo de 1995.
Fonte: Estado de Minas.